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Eu defendo Ambrósio. Porque Ambrósio me defende

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Foi Penelope, uma moça grega, quem mo mostrou pela primeira vez.

 

Na realidade ela apresentou-me um cartão. A foto de um mosaico: um homem da antiguidade, de barba e bigode e cabelos curtos. Um rosto simples, imerso em vestes litúrgicas que, por sua vez, pareciam solenes. Acima dessa figura estava escrito somente «AMBROSIVS».

 

«É Ambrósio. É o protetor de Milão. Fique com essa foto para você».

«É Ambrósio. É o protetor de Milão. Fique com essa foto para você»

 

Isso aconteceu em Milão quase vinte anos atrás. Para mim, mais de uma era geológica. Um outro planeta, uma outra vida.

 

Estava-se, de fato, nos dias de Santo Ambrósio. Eu estava vivendo em Milão fazia um ano, mas nunca tinha tido interesse em saber quem tinha sido Ambrósio. Nunca tinha tido a necessidade de observar o rosto dele. Além do mais, um rosto ele não poderia ter. Santo Ambrósio era uma festa, não uma pessoa.

 

Ainda assim, mesmo naquela outra encarnação do meu ser na qual a Fé era remota, eu compreendi que o gesto de Penelope tinha um valor inusual. Ela não me tinha passado um disco (naquela época eles existiam) e nem um livro (daqueles que não se lê e nem se devolve). Eu senti que ela queria me transmitir algo de especial. Quase um objeto mágico, um talismã: naquela época as minhas categorias cerebrais eram essas.

 

Penelope tinha estudado nos anos noventa com a pessoa que então era a minha namorada, uma moça germano-americana.

Algo que eu não sabia como definir, mas hoje sim: devoção.

 

Elas tinham estudado aquilo que se chama «design», que naquele tempo era quase algo sério. Tinham-no feito em Londres, que, naquele tempo, era um centro de mistura do empreendedorismo juvenil mundial, um tipo de liquidificador no qual os ingredientes eram americanos, japoneses, libaneses, russos, austríacos, coreanos, flamingos, croatas, cujos rabiscos apátridas jorravam em ondas nas casas de moda ou nos estúdios publicitários de Milão. Eram dias cintilantes e distraídos.

 

Nada naquele mundo podia me levar a pensar naquela inexplicável faísca que via nos olhos de Penelope, algo que eu não sabia como definir, mas hoje sim: devoção. Penelope tinha reencontrado a Fé próprio naquele tumulto de cores e niilismo que imergia a nossa juventude.

 

Ela era cristã ortodoxa; isso também afligia a minha ignorância. Mas como? Uma ortodoxa que me fala de um santo católico?

 

«Os santos que vieram antes do cisma são santos para todos», educou-me com aquele sotaque suave. Eu não o sabia de jeito nenhum.

 

 

Devoção

Foi com aquele cartão no bolso que, em uma tarde de inverno, sem saber bem o porquê, eu entrei pela primeira vez na Basílica de Santo Ambrósio.

Eu tinha entrado na cripta. Eu não estava preparado: não podia esperar encontrar, naquela galeria escura sob o altar, três esqueletos – os únicos pontos iluminados – e uma grande grade de metal separando-me deles

 

Vaguei pela nave que, em relação à do Duomo, notei, era mais luminosa; não sei bem se gostei daquilo. Observei aquela coluna estranhíssima, no meio da igreja, sobre a qual há uma serpente de bronze. Estava confuso.

 

Havia paz. Isso, sim, eu sentia distintamente. Não passou muito tempo para que eu me sentisse magnetizado pelo fundo da Basílica. E dali, abaixo em direção àquele punhado de degraus.

 

Eu tinha entrado na cripta.

 

Eu não estava preparado: não podia esperar encontrar, naquela galeria escura sob o altar, três esqueletos – os únicos pontos iluminados – e uma grande grade de metal separando-me deles.

 

Daquela primeira ida, conservo a recordação nítida de apenas uma figura humana que estava diante de mim. Uma mocinha que não tinha vinte anos. Bem vestida, com o seu capuzinho elegante, botas altas; os olhos azuis, os quais eu conseguia ver de relance por causa de raios de luz provenientes do lado de fora, transmitiam firmeza, mas não só isso. Ela estava ajoelhada diante do portão, virada em direção aos Santos. As mãos estavam unidas em oração. Com elas, agarrava-se às barras de metal, como se fossem as grades de um cárcere, como se estivesse ardendo para se liberar de si mesma ou alguma outra coisa, mantida logo atrás daquelas barras.

Passaram-se os anos, passaram-se a namoradas, as sortes, as desventuras, os estudos, os trabalhos, as alegrias, as desgraças, os prefeitos e os governos: e, ainda assim, me reencontrava sempre, e cada vez mais frequentemente, imerso naquela cripta

 

O quê ela estava fazendo? Por que uma moça assim – uma moça de boa família que eu até achei bonita – tinha a necessidade de fazer algo assim? Rezar com todo o espírito um esqueleto?

 

A resposta está em algo que aprendi a compreender tempos depois: devoção.

 

A devoção era, na realidade, aquela firmeza que eu tinha fugazmente lido nos olhos de Penelope e que agora era irradiada por essa mocinha. Uma devoção especial, pessoal, local: aquela garota estava pregando para o protetor da cidade. O defensor daquela cidade específica.

 

Passaram-se os anos, passaram-se a namoradas, as sortes, as desventuras, os estudos, os trabalhos, as alegrias, as desgraças, os prefeitos e os governos: e, ainda assim, me reencontrava sempre, e cada vez mais frequentemente, imerso naquela cripta. Com o tempo, encontrei-me emulando aquela garotinha que eu nunca mais vi: ajoelhado, as mãos apertando forte aquela grade, da qual, neste momento em que estou escrevendo, sinto o frio do metal enquanto toca as palmas das minhas mãos.

Ajoelhado, falando com o Patrono. Pedindo-lhe que me protegesse, e que protegesse a cidade inteira onde eu vivia. Proteger Milão, porque em Milão, às vezes de longe e às vezes não, eu tinha visto todo tipo de coisa

 

Às vezes, naquela grade eu apoiava também a minha cabeça, entre uma barra e outra, na impossibilidade de atravessar entre elas o meu crânio; naquilo que era um apoio de alívio, sempre o ferro gélido tocando até os meus ossos. Ajoelhado, falando com o Patrono. Pedindo-lhe que me protegesse, e que protegesse a cidade inteira onde eu vivia. Proteger Milão, porque em Milão, às vezes de longe e às vezes não, eu tinha visto todo tipo de coisa.

 

Eu tinha visto as pessoas brutalizarem-se no modo mais abjeto; tinha visto a maldade dos potentes; tinha visto a maldade dos impotentes; tinha visto homens combatendo uns contra os outros e adoecendo; tinha visto amigos acumulando dinheiro e perdendo a humanidade e também a família; tinha visto um homem separando-se da ex-namorada no bar embaixo de casa; tinha visto meus coetâneos engolidos por abismos noturnos para não reemergirem nunca mais; tinha visto a droga (seja as legais que as ilegais) consumirem as mentes de uma ou duas gerações sem deixar nenhum resto; tinha visto uma bela conterrânea ser baleada pelo conviva, o qual estava chumbado psiquiatricamente; uma outra foi esquartejada pelo filho, que vivia com ela; tinha visto lugares de perdição verdadeira, que ainda hoje me pergunto como podiam existir; tinha visto o crime conviver tranquilamente com a cotidianidade; tinha visto a ambição deixar as pessoas desoladas, monstruosas, deformadas; tinhas visto traições, adultérios, todos os tipos de subversões sexuais e morais; tinha visto mulheres rejeitando os próprios filhos, e matando-os; outras, em vez disso, eu tinha visto matando quantidades indefinidas de crianças na proveta para, no fim, ter só uma entre os braços.

Perversão, decadência, morte. Milão é verdadeiramente uma metrópole. Como não invocar a proteção de Ambrósio? Isso me parecia impensável. Perversão, decadência, morte. Milão é verdadeiramente uma metrópole. Como não invocar a proteção de Ambrósio? Isso me parecia impensável. Como não imaginar, enquanto apertava aquelas barras, que ele estendesse um manto santo sobre a cidade? Que freasse o Mal que corria solto por aquelas ruas?

 

Como não imaginar, enquanto apertava aquelas barras, que ele estendesse um manto santo sobre a cidade?

 

Que freasse o Mal que corria solto por aquelas ruas?

 

Terminei acreditando firmemente que Ambrósio fosse quem segurava Milão para que a cidade não se chafurdasse naquele Inferno de fogo que teria engolido aquele Inferno humano que eu registrava com os meus olhos.

 

Por isso, a oração naquela cripta tornou-se assídua para mim.

 

 

Tales ambio defensores

Não consigo enumerar as vezes que terminei diante dos restos mortais de Ambrósio, Gervásio e Protásio. Por alguns períodos, isso foi uma coisa cotidiana.

Terminei acreditando firmemente que Ambrósio fosse quem segurava Milão para que a cidade não se chafurdasse naquele Inferno de fogo que teria engolido aquele Inferno humano que eu registrava com os meus olhos

 

Agarrei-me àquelas barras milhares de vezes; várias vezes eu fui mandado embora pelo diligente senhor filipino (creio eu) que chegava com o enorme, tilintante, maço de chaves para fechar a basílica.

 

Tive vários encontros maravilhosos naquele lugar santo.

 

Lembro-me de quando, tropeçando e esbarrando em uma senhora coberta com um véu, disse-lhe «izvinite» («desculpe-me»). Ela fazia múltiplos sinais da cruz e era, claramente, uma das muitas senhoras ortodoxas – creio que fosse devota, mas às vezes lá iam verdadeiros grupos de peregrinos – que vão homenagear Ambrósio.

 

A senhora, após termos saído da cripta, quis trocar algumas palavras comigo, entusiasmada pelo mísero russo que eu estava estudando. Puxou-me imediatamente junto com ela ao metrô até a estação do Duomo, onde me entreabriu as portas de uma igreja ortodoxa localizada logo atrás da catedral e de cuja existência, até então, eu não sabia. A visita a Ambrósio era uma parada que ela fazia antes de ir à igreja dela. Havia muitas senhoras (moldavas, ucranianas, bielorrussas, russas, cazaquistanesas…); algumas eu pensei que se ocupassem com a assistência de doentes ou velhos; outras, mais jovens e elegantes, trabalhavam claramente com moda; outras ainda, mais formosas e que se destacavam, provavelmente ocupavam-se de outra coisa – todas, porém, vestiam o véu. Havia os popes com barbas e vestes escuras e longuíssimas, as velas, a iconóstase imensa com seu brilho dourado. Tudo parecia solene, mesmo se não tinha uma cerimônia em andamento. Assim como Penelope, a senhora moldava meu deu um cartão, isto é, aquilo que ela podia me doar de mais próximo a um ícone.

Agarrei-me àquelas barras milhares de vezes; várias vezes eu fui mandado embora pelo diligente senhor filipino (creio eu) que chegava com o enorme, tilintante, maço de chaves para fechar a basílica

 

Compreendi que tinha parado uma outra vez em um circuito invisível, cujo termo era, mais uma vez, Ambrósio. A devoção.

 

Sim, o circuito da devoção, cuja parada principal era aquela cripta, na qual fui parar não porque tinha lido um livro (não sabia, e não sei ainda hoje nada sobre o Santo!), mas porque tinha sido atraído por aquele fluxo intangível que corria em Milão através até mesmo do coração dos estrangeiros.

 

Àquela cripta eu levei de tudo: desde as alegrias dos primeiros (pequenos) ganhos por trabalhos realizados até a morte de um genitor; desde a esperança de prosperidade até o estilhaçamento do meu ser que, às vezes, os eventos milaneses podiam provocar.

 

Sobretudo, levei a minha pequenez. A minha necessidade de ser protegido, defendido.

Compreendi que tinha parado uma outra vez em um circuito invisível, cujo termo era, mais uma vez, Ambrósio. A devoção

 

«Tales ambio defensores», disse Ambrósio quando encontrou os corpos dos dois mártires, Gervásio e Protásio, que agora jazem junto a ele (foi fruto de uma escavação que ele quis comissionar guiado por um presságio interior; o evento permitiu-lhe ganhar definitivamente o coração de Milão, onde, naquela época, habitavam muitos heréticos arianos).

 

Repeti-lo eu mesmo muitas vezes: «Tais defensores eu desejo».

 

 

Inimigos de Ambrósio

Ao mesmo tempo, sinto-me no dever de defender Ambrósio. Porque, por mais que possa parecer incredível, Ambrósio tem inimigos.

 

Forças que anseiam pela destruição de Ambrósio e daquele rio invisível que me levou até ele.

 

Em 1799, os napoleônicos da República Cisalpina queriam que a Basílica fosse transformada em um hospital militar.

Àquela cripta eu levei de tudo: desde as alegrias dos primeiros (pequenos) ganhos por trabalhos realizados até a morte de um genitor; desde a esperança de prosperidade até o estilhaçamento do meu ser que, às vezes, os eventos milaneses podiam provocar. Sobretudo, levei a minha pequenez. A minha necessidade de ser protegido, defendido

 

Outras forças filhas da Revolução – os nossos «liberadores» anglo-americanos – bombardearam covardemente, a partir dos céus, Santo Ambrósio em 1943.

 

Após isso, em 28 de junho de 2000, o Mal e a sua maquinação terrena passaram ao ataque direto, penetrando até mesmo no coração ambrosiano. Esconderam em um genuflexório da nossa cripta uma mochila com duas garrafas cheias de gasolina ligadas a um pavio químico alimentado por uma pilha. Uma bomba incendiária. (Queimar Ambrósio e o seu templo, direi mais abaixo, pode ter um significado de nêmesis precisa). O artefato foi encontrado pela Digos, porque um jornal tinha recebido um aviso de reinvindicação pelo atentado. Os executores teriam sido anarquistas da sigla «Solidariedade Internacional»; estariam protestando por conta de uma cerimônia da polícia penitenciária.

 

Na realidade, eu sei que, desde há séculos, querem golpear algo de maior, algo de fundamental para o equilíbrio de toda a cidade – e da minha vida.

 

Querem golpear Ambrósio.

 

Querem golpear a sua devoção.

Por mais que possa parecer incredível, Ambrósio tem inimigos. Querem golpear Ambrósio. Querem golpear a sua devoção

 

Porque eu sei disso tudo, não me admirei quando, alguns anos atrás, foi publicado um ataque a Ambrósio na forma de um livro.

 

O livro, que recebeu afagos do inteiro espectro das publicações nacionais, desde Il Sole 24 ore até Il Manifesto, levava a assinatura de um velho conhecido, digamos assim, um tal de Franco Cardini.

 

O título não permitia muitas interpretações: Contra Ambrósio.

 

Don Ricossa recordou-me, com muitas documentações, «que Cardini foi membro do comitê científico da revista maçônica Ars Regia; que Cardini tinha recebido e aceitado uma honorificência do Grande Oriente da Itália; que Cardini escreveu o prefácio de um livro sobre os Templários escrito pelo filho do então Grande Mestre da Maçonaria, Raffi, cujos lucros foram direcionados à obra maçônica dos Asilos noturnos; que Cardini participou de uma convenção da Grande Loja da Itália, obediência da piazza del Gesù; que Cardini reconhece-se na Lenda medieval dos três anéis, revisitada pelo maçom Lessing e nas ideias dos cristãos, judeus e muçulmanos “irmãos em Abraão”; que, segundo Cardini, Gad Lerner tem razão ao dizer que Jesus Cristo não é cristão, mas judeu, sendo o Cristianismo uma invenção de Saulo di Tarso; que, para Cardini, não é nem mesmo historicamente certo que Jesus tenha existido; que, para Cardini, o filme sobre Hipácia, mártir pagã vítima do cristãos, não permite objeções do ponto de vista histórico, e que, além disso, o Cristianismo impôs-se com o uso da violência muito mais do que o Islam. Por isso, não nos admiramos se as preferências de Cardini tenham o aval de padres como don Gallo: “posso atestar que poucos como ele, na história do cristianismo, tenham sido a tal ponto fieis à mensagem de Cristo e à missão da Igreja no mundo”».

 

«Quando eu era vice presidente do Conselho Nacional de Pesquisa – disse-me Roberto de Mattei – organizei em Roma um seminário internacional sobre as Cruzadas, mas achei melhor não convidar o professor Cardini, porque o seu trabalho é um trabalho de desconstrução da ideia de Cruzada, incompatível com os resultados da mais recente e acreditada literatura científica. Cardini telefonou-me furioso, o quê eu julguei como uma falta de estilo».

 

Cardini leva até Ambrósio o mesmo trabalho demolidor e desacralizante.

Em 388, em Callinicum (hoje Raqqa, a ex-capital da ISIS), uma sinagoga foi incendiada. O governador romano local, apoiado por Teodósio, decidiu que quem deveria pagar pela reconstrução era o bispo local, que fora considerado como o instigador dos incendiários

 

O episódio que deu início à eleição de Ambrósio ao episcopado, isto é, o menino que grita no meio da Igreja «Ambrósio Bispo!», arrastando com si toda Milão, foi, para Cardini, uma «encenação», um «bem arquitetado episódio de organização do consenso», um evento fruto da obra de um especialista em marketing e cuja «espontaneidade popular foi acuradamente pilotada».

 

Todavia, é a submissão de Teodósio que mais enfastia o professor: «Augusto, de príncipe aureolado de autoridade sacral que sempre tinha sido, de vigário de Cristo na terra, tinha descido ao nível de um simples fiel, pronto para humilhar-se para receber o perdão».

 

O famoso episódio no qual o bispo Ambrósio dobra o Imperador induzindo-o à penitência representa para o autor algo de intolerável, porque isso seria um emblema perfeito de um «projeto de deslegitimização total e irreversível das classes diferentes do Cristiano niceno em todo o império».

 

Em suma, o quê Cardini não pode suportar é a primazia da Igreja sobre o mundo. O fato de Teodósio ter sido compelido à penitência pelo bispo Ambrósio por causa do massacre de Tessalônica (Salônico, na Grécia…) é para o velho estudioso a base «de um longo e complexo itinerário que em vários modos, através do augustinismo político, da reforma da Igreja do século XI e do monarquismo pontifício» delineou aquela Tradição «que no âmbito católico – uma vez abatidas as heresias e isolados como heréticos ou perigosos muitos movimentos “não conformistas” medievais – somente o conciliarismo dos anos 400 e, em uma certa medida, o Vaticano II e, hoje, as escolhas inovadoras do Papa Francisco, tenderam de algum modo a limitar e corrigir».

 

Vocês compreendem? Papa Francisco – efetivamente o Papa mais submisso ao Império do Mal – como antidoto aos danos provocados por Ambrósio.

Ambrósio escreveu ao Imperador exprimindo o seu dissenso: «Eu declaro ter feito arder em chamas a sinagoga – escreveu em uma epístola destinada ao Imperador – sim, fui eu que atribuí o encargo, para que não haja mais nenhum lugar onde Cristo seja negado».

 

A Igreja não deve demandar ao poder a penitência se este comete massacres injustos: vocês entendem a atualidade dessa requisição?

 

Uma Igreja assujeitada ao poder (como esta que estamos vendo hoje) é para o toscano a condição certa para a esposa de Cristo: «o liberar e o manter livre o clero dos controles e dos condicionamentos de quaisquer autoridades terrenas – bem diferente, se não o contrário, daquilo que Jesus declarou explicitamente a Pilatos – teria sido uma condição necessária e suficiente para salvá-lo das tentações terrenas», todavia, «a inteira história da Igreja demonstra o oposto».

 

Em suma, «talvez sem ele não teríamos tido um conflito entre o mundo católico e a modernidade».

 

Traduzindo: sem Ambrósio o catolicismo seria naturaliter modernista.

 

Peguei essas citações, que em mim surtem o efeito de amar ainda mais o meu Santo, de um textão celebrativo dedicado ao livreco em questão por Paolo Mieli no mais importante jornal do país.

Ambrósio, diferentemente dos democratas-cristãos e de seus pactos com as potências infernais, não fazia compromissos.

 

Trata-se de uma daquelas duplas páginas, sempre densas e interessantíssimas, para dizer a verdade, nas quais, uma vez por semana, consentem ao pluri-ex-diretor do Corrierone resenhar um texto mais ou menos revisionista.

 

Mieli, para dizer a verdade, poderia ter alguns cavalos envolvidos na corrida. Ele é filho do ex-agente da Psychological Warfare Branch dos serviços secretos britânicos Ralph Merrill (no registro civil egípcio Renato Mieli), depois diretor da ANSA e de L’unità, mas que terminou, porém, pouco depois, exaltando o ultraliberalismo de Hayek e Von Mises (e por isso os fundos da confederação das indústrias não lhe faltaram); sobretudo, podemos dizer que Paolo Mieli é, assim como seu pai, de origem hebraica.

 

Mas eu gostaria que estivesse presente nesse estalinho editorial contra Ambrósio o antigo preconceito que vê o Santo como um antissemita. Porque Ambrósio enfrentou de cabeça erguida o Imperador Teodósio ainda uma outra vez.

 

Em 388, em Callinicum (hoje Raqqa, a ex-capital da ISIS), uma sinagoga foi incendiada. O governador romano local, apoiado por Teodósio, decidiu que quem deveria pagar pela reconstrução era o bispo local, que fora considerado como o instigador dos incendiários.

 

Ambrósio escreveu ao Imperador exprimindo o seu dissenso:

Mesmo a séculos de distância, como vocês acham que isso possa ser perdoado pelos judeus, falsos cristãos e servos dos deuses da morte?

 

«O local que abriga a incredulidade judaica será reconstruído com despojos da Igreja? (…) Os judeus colocarão no frontão da sinagoga deles a seguinte inscrição: Templo da impiedade reconstruído com o dinheiro dos cristãos (…) O povo judeu introduzirá essa solenidade entre os seus dias festivos?».

 

Ambrósio tinha detectado já naquela época a questão da incompatibilidade entre Estado e Igreja quando através da carta perguntou a Teodósio: «que coisa é, portanto, mais importante, a ideia de disciplina [isto é, da manutenção da ordem pública; nota do redator] ou o motivo da religião?».

 

É a mesma pergunta que Andreotti se colocou quando entendeu que se não colocasse em pauta a lei sobre o livre aborto na Itália o seu governo teria caído. Sabemos como ele respondeu. Sabem-no também as seis milhões de crianças assassinadas por aquela lei, às quais adicionamos alguns outros milhões de vítimas da conseguinte prática genocida da fecundação assistida, que, para cada criança sintética nascida, mata pelo menos umas outras 20 – portanto, outros milhões, muitos mais, seguirão.

 

Ambrósio, diferentemente dos democratas-cristãos e de seus pactos com as potências infernais, não fazia compromissos.

 

«Eu declaro ter feito arder em chamas a sinagoga – escreveu em uma epístola destinada ao Imperador – sim, fui eu que atribuí o encargo, para que não haja mais nenhum lugar onde Cristo seja negado».

O meu desgosto pelos membros do movimento Comunhão e Libertação (e os seus bispões que não se reelegem e infelizes) que tagarelam sobre «liberdade religiosa» enquanto o Santo da cidade deles foi o mais acirrado inimigo dela, e por causa disso – especialmente contra os pagãos – combateu uma guerra ardente, e venceu-a

 

Leiam novamente: «para que não haja mais nenhum lugar onde Cristo seja negado».

 

Mesmo a séculos de distância, como vocês acham que isso possa ser perdoado pelos judeus, falsos cristãos e servos dos deuses da morte?

 

 

Tradidi quod et accepi

Quero concluir.

 

Eu teria muito a dizer, como, por exemplo, sobre o meu desgosto pelos membros do movimento Comunhão e Libertação (e os seus bispões que não se reelegem e infelizes) que tagarelam sobre «liberdade religiosa» enquanto o Santo da cidade deles foi o mais acirrado inimigo dela, e por causa disso – especialmente contra os pagãos – combateu uma guerra ardente, e venceu-a.

 

Alguém acusar-me-á: por que você está dizendo isso? Você é um historiador? Um teólogo? Um sábio?

 

Não, eu não sou. Sou um homem ignorante e a única história que eu conheço de verdade a respeito de Ambrósio é aquela que me levou até ele. Sou somente uma pessoa que ainda consegue se derreter diante da devoção; alguém tão obtuso a ponto de me admirar do fato que ela ainda exista; alguém tão trouxa que acredita que a devoção não seja somente necessária, mas até mesmo «eficaz».

Essa é a minha microscópica contribuição à Tradição: transmiti a devoção que eu tinha recebido, levei alguém até Ambrósio, assim como eu ali tinha sido levado

 

Sou um pecador: sou um que pede ajuda a Ambrósio. Não escrevi livros, não estudei a fundo a sua vida e nem as suas obras.

 

Uma coisa, porém, eu fiz.

 

Levei uma garota até Ambrósio, Sophia. Alemã, como Ambrósio.

 

Sophia tinha um problema: não conseguia mais entrar na igreja sem ter um ataque de choro. O motivo, levantei a hipótese, estaria ligado a acontecimentos pessoais. A sua família tinha passado por momentos escuros, em parte irresolvidos, em parte resolvidos, que tinham deixado uma marca no seu espírito. Na igreja, ela explicou-me, não conseguia entrar porque «não me sinto suficientemente pura», mesmo se Sophia fosse uma das pessoas mais puras que eu conhecia em Milão.

 

Dei um duro. Nas primeiras vezes, arrastá-la era um verdadeiro exercício de violência psicológica. «Eu entro; é necessário fazer estas cenas»? A isso se seguiam olhos arregalados, afasias, embaraços paralisantes, lágrimas.

 

Eu comecei assim, devagarinho, a leva-la à missa de domingo à noite. Na prática, é verdade que algumas vezes ela desmaiou e foi prontamente socorrida pelos fieis circunstantes. Mas agora tudo ficou para trás. Ela expressou para mim, várias vezes, a sua gratidão pela minha obstinação. Ficou amiga dos sacerdotes assim como dos outros fieis; tornou-se assídua.

 

Ela se pergunta frequentemente porque eu pressionei-a tanto: o porquê é Ambrósio quem sabe, eu sou somente a nanométrica parte do seu circuito invisível.

Conservei, e transmiti, a devoção ao coração de Milão e à verdadeira Cristandade

 

Alguns dias atrás, Sophia recebeu finalmente a Crisma, que ainda lhe faltava. Ela queria que eu tivesse sido o seu padrinho, mas, afastado como hoje sou da Igreja conciliar, nem por um segundo eu pensei que poderia ter sido eu que sigilasse o fim dessa minúscula história ambrosiana.

 

Apesar do estado de aberração ao qual se dirige a Igreja, posso dizer que essa é a minha microscópica contribuição à Tradição: transmiti a devoção que eu tinha recebido, levei alguém até Ambrósio, assim como eu ali tinha sido levado.

 

Conservei, e transmiti, a devoção ao coração de Milão e à verdadeira Cristandade.

 

Eu defendo Ambrósio porque Ambrósio me defende.

 

 

Roberto Dal Bosco

 

 

Tradução de Flavio Moraes Cassin, cujas opiniões pessoais não coincidem necessariamente com aquelas expressadas neste artigo.

 

Artigo publicado anteriormente no site Ricognizioni

 

Articolo originale in italiano.

 

 

 

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